Ultimamente, quando não estou absorvida pelas emoções galopantes do luto, tenho me alegrado com minhas pernas como instrumento de locomoção.
Tenho sentido uma felicidade plena em certos momentos quando me percebo andando com leveza, cadencia e consistência. Sem tropeçar, diminuir passos ou me cansar.
Sinto muita gratidão por essa mobilidade tão graciosa e importante que tenho. Gosto de ouvir meus passos vencendo distancias com vigor e imediatamente começo a meditar sobre minhas pernas.
Penso nos musculos que foram crescendo e se estabelecendo nesses anos de treino, dança, readequação alimentar e atitudes saudáveis.
Impossível não ser grata também por ter a habilidade de locomoção ainda que a incerteza do mundo não defina prazo e nem validade para ela.
Nesse aspecto, amplio o olhar para o corpo como sagrado. Todo aparelho que nos carrega desde o momento de nossa concepção é muito especial.
Somos perfeitos de uma forma quase impossível de admitir quando estamos com os olhos turvos pelas definições mundanas.
Perdemos a oportunidade brilhantede apreciar, agradecer e aproveitar nosso corpo como facilitador, condutor, tradutor da nossa vida interior para esse exterior que comungamos enquanto vestidos dele.
Indo mais além, penso em todos os corpos que já tive e em todas as suas possíveis imperfeições, baseada no que ele é e significa hoje.
Quando me vejo deslizando pelos espaços através das minhas pernas, me sinto rica, plena e consciente de minha representação no mundo que escolhi viver.
Nesses raros momentos, parece que nada pode abalar minha eternidade pois seguirei em frente. Meu corpo é minha morada segura, minha guarda e minha possibilidade real de crescimento.
Talvez seja por isso, por essa verdade tão linda e rara, que tudo converge para deturpar nossa condição física como imperfeita e inadequada... talvez essa sabedoria seria uma arma de paz eficaz demais para ser utilizada, pois se eu estou em paz e integrada comigo e meu corpo, qualquer evento externo a mim será consequentemente visto com olhos de amor.
Penso nisso hoje... penso mesmo...